Histórico IP

Por Filipe Degani-Carneiro

A presença da Psicologia na então Universidade do Distrito Federal (criada em 04 de dezembro de 1950) remonta às cátedras de Psicologia Geral (no curso de Filosofia) e de Psicologia Educacional (nos cursos de licenciatura) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Instituto La-Fayette (criada durante o Estado Novo, em 1939), situado na Rua Haddock Lobo, 269, Tijuca– uma das quatro instituições de ensino superior incorporadas para a recriação da UDF em 1950.

A criação do curso de graduação em Psicologia ocorreu em 20 de março de 1964, quando o Conselho Universitário (CONSUN) da já denominada Universidade do Estado da Guanabara (UEG) aprovou projeto de proposição do Prof. Hanns Ludwig Lippmann, catedrático de Psicologia Educacional. Ou seja, 2 anos após a regulamentação da profissão de psicólogo (Lei 4119, de 27 de agosto de 1962) e do currículo mínimo do curso de graduação em Psicologia (Parecer 403 do Conselho Federal de Educação, de 19 de dezembro de 1962).

Naquele momento, havia no Rio de Janeiro apenas o curso de graduação em Psicologia da PUC-Rio (também criado por iniciativa de Lippmann); ainda em 1964, foi criado o curso da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Em relação a estes, o curso da UEG se diferenciava pelas aulas no turno da noite, possibilitando a matrícula de estudantes trabalhadores (seja por condição socioeconômica, seja porque já possuíam outra formação superior) – o que era uma marca distinta da Universidade e uma característica do projeto governamental para ela: a ênfase na formação de profissionais para o mercado.

Inicialmente o curso fora aprovado com duração de apenas quatro anos (bacharelado e licenciatura); após mobilização estudantil e de outros setores, foi aprovado pelo CONSUN o 5º ano, referente ao curso de Formação de Psicólogo, em 02 de julho de 1967. Entretanto, a trâmites oficiais e obstáculos políticos internos à Universidade, foi oferecido somente em 1969.

Naqueles primeiros anos de institucionalização da formação universitária em Psicologia, destacam-se no corpo docente personagens significativos na Psicologia carioca, como os professores Antônio Gomes Penna, Eliezer Schneider e Yonne Moniz Reis (responsável pela criação do nosso Serviço de Psicologia Aplicada em 05 de maio de 1970). Entre os estudantes daquelas primeiras turmas, estavam nomes que se destacariam na docência em nosso Instituto, como Maria Luiza Bustamante, Maria Lucia Seidl de Moura, Helmuth Ricardo Kruger e Celso Pereira de Sá.

No final da década de 1960, a Reforma Universitária empreendida pela ditadura militar trouxe grandes alterações à estrutura do ensino superior, substituindo as cátedras por departamentos e o regime seriado (em anos) pelo regime de créditos (em semestres). O curso estava vinculado, desde sua criação, ao Departamento de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Em dezembro de 1968, no auge da Reforma Universitária, esta Faculdade foi extinta e desmembrada, tendo nosso curso sido transferido para o Instituto de Biologia, representando uma concepção de Psicologia como ciência natural e experimental.

Na década de 1970, o Instituto estava instalado na Rua Fonseca Teles, 121 – São Cristóvão (prédio que hoje sedia laboratórios e outras instalações do Centro de Tecnologia e Ciências).

Através da Resolução 382 do CONSUN, de 10 de fevereiro de1971, foram instituídos novo regimento e nova estrutura administrativa para a UEG e foi criado o Instituto de Psicologia e Comunicação Social (IPCS), como unidade acadêmica autônoma e integrante do Centro de Educação e Humanidades (CEH), que oferecia, além do curso de Psicologia, o de Relações Públicas.

Em 1976, no terreno de onde fora desapropriada a Favela do Esqueleto, ao lado do estádio do Maracanã, foi inaugurado o novo campus da agora Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sendo o IPCS transferido para o 10º andar do Pavilhão João Lyra Filho. No mesmo ano, foram reconhecidos pelo Decreto 78.900, de 06 de dezembro de 1976 os cursos de bacharelado, licenciatura e formação de psicólogo.

Em 1983, foi criado o curso de Comunicação Social- habilitação Jornalismo, levando ao desmembrando do Instituto (por meio da Resolução 531 do CONSUN de 02 de junho de 1986), em duas unidades, ainda hoje vizinhas no 10º andar: a Faculdade de Comunicação Social (FCS) e o Instituto de Psicologia (IP).

Com a redemocratização da sociedade brasileira, bem como a democratização interna da UERJ, uma série de transformações demandadas e reivindicadas pela comunidade universitária buscaram alterar o status da instituição, de uma escola de formação em nível superior para um verdadeiro centro de produção de conhecimento, notadamente nos campos da pesquisa, da pós-graduação e da extensão. Buscou-se a consolidação da carreira docente, por meio do incentivo à titulação e à dedicação exclusiva.

Assim, no campo da pós-graduação stricto sensu, foi criado em 1991 (sob a liderança de Celso Sá, então diretor do CEH) o Mestrado em Psicologia e Práticas Socioculturais, o qual, após a inauguração do curso de Doutorado em 2001, foi denominado de Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (PPGPS). De igual modo, com a abertura dos respectivos cursos de mestrado (1998) e doutorado (2006), formou-se o Programa de Pós-Graduação em Psicanálise (PGPSA). Em 2016, foi criado ainda o Mestrado Profissional em Psicanálise e Políticas Públicas.

Na pós-graduação lato sensu, diferentes cursos foram criados, mas posteriormente extintos. São as Especializações em Psicologia Clínica, Psicologia Jurídica e Psicanálise e Saúde Mental. Atualmente, funcionam as Especializações em Psicopedagogia e em Psicologia Clínico-Institucional, modalidade Residência Hospitalar (no Hospital Universitário Pedro Ernesto).

Psicologia na Saúde Mental e os anos 70

Por Susan Guggenheim Era o início de 1972. O Hospital Universitário Pedro Ernesto da UERJ anunciou a seleção de estagiários de Psicologia para atuarem no hospital. Todas as faculdades de psicologia do Rio de Janeiro apresentaram muitos de seus alunos interessados para a inscrição em um “concurso”. As provas de seleção tiveram duas etapas. Uma prova escrita, realizada num grande auditório e uma entrevista com alguns médicos responsáveis pelo atendimento a adolescentes internados. Havia na época, um especial interesse dos médicos Aluisio Amancio e Evelyn Eisenstein em aprofundar de modo multidisciplinar a clínica com adolescentes. A prova de seleção apresentou várias questões sobre a adolescência e seus aspectos psicológicos e sociais. Na entrevista, a temática foi desenvolvida com perguntas variadas sobre a adolescência e a motivação dos futuros estagiários em trabalhar no HUPE. Fui uma das alunas selecionadas. O trabalho foi um grande desafio. Na época os adolescentes ficavam espalhados por todas as enfermarias e ambulatórios. O chefe da Clínica Médica, o professor Amancio pleiteava junto ao diretor Dr. Landman a criação de uma enfermaria exclusiva para os e as jovens que apresentavam diversas patologias. Assim, começa o trabalho de um grupo de jovens estudantes de psicologia das diversas Universidades junto a esta clínica específica. Criada pela Clínica médica com a participação da Dra. Evelym montou-se no 3oº andar do HUPE a “sala de recreação dos adolescentes”. Eles eram chamados nas enfermarias para frequentarem a Sala em que havia muitos jogos, brinquedos, tintas, lápis de cor, papéis. Todos os dias a sala era aberta e “coordenada por uma dupla de estagiários”. Logo tivemos a necessidades de termos um psicólogo supervisor. Foi convidado o psicólogo Narciso Teixeira que liderou um trabalho “revolucionário”. Os psicólogos não usavam a roupa branca, estudávamos os temas da psicologia de Adolescentes e tínhamos supervisões semanais. A chegada de um grupo expressivo de jovens estudantes de psicologia com roupas coloridas, circulando por todo o hospital na busca de adolescente para serem levados a Sala de Recreação causou um certo alvoroço no ambiente austero do hospital. Logo a Sala começou também ser frequentada por jovens e curiosos médicos. As paredes coloridas pintadas pelos adolescentes, a grande mesa de Totó eram umas atrações a mais. O grupo de estagiárias era composto por nove psicólogas: além de mim, Cléa Soares Cerqueira, Denise Werneck, Maria Clara Mariani, Maria Elena Millman, Maria da Gloria Batista, Maria Tereza Barros, Marilia Guimarães, Rosane Wertman, Sonia Glasser. Estas jovens eram ainda estudantes e nos anos seguintes, ao se formarem, o diretor do hospital criou a categoria de R3, isto é, residentes de 3o ano. Com o interesse demonstrado pela direção do HUPE em permanecer com as psicólogas, a então diretora do Instituto de Psicologia da UERJ se reuniu com o diretor do hospital e pleiteou a ida das psicólogas para o Instituto de Psicologia (IP/ UERJ). Para isto, ela conseguiu da Reitoria a criação do cargo de psicólogo e 12 vagas destinadas ao Instituto de Psicologia. Assim, iniciou um período de muita tensão entre as psicólogas, com medo da demissão e de mudanças no trabalho que até aquele momento era muito bem-sucedido. De fato, ocorreram demissões. O trabalho, ao ser coordenado pelo IP e ser alocado no SPA do Instituto, teve a carga horária das psicólogas dividida com o trabalho de supervisão dos estagiários da graduação de psicologia, o que trouxe algumas acomodações. Esta mudança não agradou a várias psicólogas, mas foi esta a condição para serem contratadas. A partir deste período de grande mudança no “Status trabalhista” de R3 para psicólogas do IP algumas psicólogas saíram, mas a maioria aceitou os novos contratos. O início no IP aconteceu em 1976. O trabalho no HUPE era realizado com muito empenho e seriedade. Havia um caderno com páginas numeradas onde a cada período eram anotados os nomes dos adolescentes presentes na sala, o que diziam e faziam, bem como a atuação dos estagiários. As supervisões, leituras, discussões, reuniões com os médicos da Clínica médica trouxeram um aprendizado imenso. O convívio diário com adolescentes adoentados, internados e repletos de questões psicológicas que apresentavam fez com que o trabalho chamasse a atenção de outras clínicas e profs. de Medicina. Estávamos em plena ditadura e também no início da Reforma Psiquiátrica. Na Itália o médico Franklin Basaglia realizara uma mudança no tratamento de psicoses acabando com as internações e fechando os manicômios em sua cidade. Aqui estava-se praticando a “comunidade terapêutica”, na psiquiatria. O prof. Eustáquio Portela Nunes era, na ocasião, o titular de psiquiatria e chefe do Serviço. Ele contratou 3 psiquiatras recém-chegados da França para ampliar os quadros da psiquiatria. No Instituto de Medicina Social havia um grupo de médicos bastante progressistas sob a direção do prof. Hésio Cordeiro, futuro reitor da Universidade. Houve uma confluência de ideias e personagens que poderiam fazer frente a Saúde mental tradicional com o que havia de mais moderno na Saúde Mental. Os psicólogos naquele momento eram parte das mudanças tanto no Hospital Geral quanto na Psiquiatria. A “nova mentalidade” se espalhou pela Faculdade de Medicina e na prática hospitalar. Fui chamada para realizar grupos sob orientação de Hésio Cordeiro e Joel Birman para discutir com os estudantes de 1o ano Medicina a relação médico-paciente. Era uma nova disciplina criada no curso de Medicina numa interface entre a Psiquiatria e a Medicina Social. Assim, paralelo ao trabalho na Sala de Recreação de Adolescentes, passei a coordenar com um residente de psiquiatria um grupo de alunos da medicina. Este trabalho abriu novos questionamentos sobre a formação médica e Michel Foucault, Ivan Ilich, Canguillem passaram a ser leituras obrigatórias. Havia na época um desejo de saber e liberdade. A ditadura iniciada no país em 1964 estava mais cruel naqueles anos 70. Havia estudantes de Medicina presos e torturados. O movimento estudantil fora extinto e o trabalho parecia um oásis em meio a repressão e as novas ideias e práticas eram realizadas com o entusiasmo de uma possível transformação do microcosmo hospitalar e de ensino da medicina e psicologia. Pessoas como Pedro Delgado e outros trabalhavam na reforma psiquiátrica que era apoiada pela nossa equipe de estagiários. O supervisor psicólogo Narciso Teixeira tinha uma postura criativa e inovadora. O caminho de mudança se iniciou em 1972 se podemos mencionar uma data para o começo de um processo que continua até hoje. A enfermaria de Adolescentes foi criada e passou a ser referência no estudo e tratamento das doenças de adolescentes. Outras enfermarias pediram a presença da psicologia: o transplante renal, a Pediatria, a psiquiatria, a Clínica Médica e Cardiologia, a Cirurgia Geral, a Ginecologia e Obstetrícia passaram a ter psicólogos já formados e estagiários. As práticas psicológicas se diversificaram. Foram introduzidos os Grupos Ballit, as Interconsultas, as Terapias de Grupo, os Grupos Operativos e a psicanálise individual. Por todos estes anos tivemos períodos difíceis, crises institucionais, apoios e boicotes de profissionais tanto da psicologia quanto da medicina. No entanto, apesar das muitas mudanças ocorridas um grupo pioneiro permaneceu. Infelizmente, alguns colegas saíram do trabalho, outros faleceram, as direções do HUPE, da Faculdade de Medicina e do Instituto de Psicologia foram alteradas com processo democrático de eleições a partir da abertura política. Novas técnicas e visões da clínica em psicologia permitiram que a Saúde Mental fosse entendida de modo diverso. Hoje, o trabalho dos pioneiros estagiários da Psicologia se transformou no curso de Especialização – Residência em Psicologia Clínico-Institucional como parte do Instituto de Psicologia da UERJ. Todos os anos, um concurso público é realizado e 10 residentes são selecionados para durante 2 anos trabalharem nos diferentes setores do HUPE. Se Fernando Pessoa escreveu que tudo vale a pena quando a alma não é pequena, permito me parodiá-lo: Os terríveis anos 70 valeram a pena, porque as almas não se apequenaram.

Memorial para Fernando Freitas, que contribuiu com o debate sobre a patologização da saúde mental. Chamado “guerreiro da mudança radical”, era importante voz contra tornar doença o que é da ordem das experiências múltiplas da vida

Clique aqui e leia o texto completo

Lista de ex-servidores do Instituto de Psicologia